Foi há duas semanas. Estava parada no trânsito, a caminho da praia, num daqueles dias em que a capital resolve ferver aos 34ºC, e o melhor remédio é mesmo fugir além do Tejo. Atravessávamos a Ponte Vasco da Gama, com os vidros abertos e a música a tocar, quando um amigo meu, designer e especialista em UX/UI, soltou uma palavra que me apanhou completamente desprevenida: skeuomorphism.Confesso que nunca me tinha cruzado com o termo, muito menos compreendido a ideia. Ele sorriu e disse: “vais adorar o conceito”. E tinha razão. Desde esse momento, esta palavra estranha ficou a ressoar na minha cabeça como uma notificação silenciosa à qual não posso fazer snooze.
Skeuomorphism trata-se de um princípio de design que procura imitar ou replicar formas, materiais e texturas do mundo físico no universo digital. Lembra-se daqueles ícones antigos que pareciam mesmo uma agenda Moleskine, um botão de rádio, ou uma estante de madeira? Tudo isso é skeuomorfism, ou seja, o digital a tentar reconfortar-nos com o conhecido. Este estilo de linguagem visual teve o seu auge nos primórdios da era dos smartphones, especialmente com o iOS (sistema operativo) da Apple. A tese era simples: acreditava-se que, ao fazer uma alusão ao mundo físico e a objetos reais - e assim ao tornar as interfaces mais familiares, i.e. com texturas de couro, uso de sombras, interruptores, puxadores visuais, etc. - os utilizadores se sentiriam mais confortáveis a navegar num mundo que lhes era ainda relativamente novo. O skeuomorfism foi, durante algum tempo, uma verdadeira ponte entre o físico e o digital.
Todavia, com o passar dos anos, e como em todas as modas, esta corrente estética foi sendo abandonada e foi caindo em desuso, tendo sido destronada por uma nova filosofia visual: o flat design. Assim, o minimalismo radical do flat design chegou como uma verdadeira revolução estética trazendo para o imaginário do mainstream um novo manifesto visual: a rejeição do excesso e a depuração da forma. Superfícies planas, cores sólidas, ícones bidimensionais, tipografia limpa e ausência de profundidade. Um contramovimento estético do minimalismo levado ao extremo que surge como dogma de um autêntico movimento reacional ao antecessor skeuomorfism. O Flat Design foi uma espécie de voto de silêncio visual que veio purgar da tentação do excesso visual e limpar os nossos ecrãs até ao osso. E assim, nesta lógica, a simplicidade tornou-se norma e foi rainha durante largos anos. Uma tendência moderna, prática e elegante. Até agora.
Algo parece estar a mudar e estamos a começar a assistir ao renascer de uma espécie de nova corrente, e não é apenas de design. É também a nossa relação com o digital que aparenta estar em mutação. Depois de anos a viver dentro de ecrãs asséticos, parece que, de repente, queremos voltar a sentir. Procuramos, como utilizadores, textura, nuance, um certo conforto visual que nos venha abraçar com a nostalgia do realismo.
Por consequência, é precisamente neste contexto e nesta busca nostálgica pelo real, que o skeuomorfism faz um comeback mais subtil que o Cornetto Perna de Pau no portefólio da Olá. Reconhecível, sem dúvida, mas resurge com regras novas, agora mais sofisticado, maduro e claramente reinventado, sempre com uma dose certa de nostalgia. Este renascimento está longe de ser um movimento forçado, na medida em que aparece num novo formato, mais ténue, mais desenvolvido e mais tátil. A doutrina diverge ainda bastante no que toca a esta corrente, mas tem sido comum falar-se de uma espécie de neo-skeuomorphism. Desta forma, em 2025 a ilusão de materialidade está de volta. Uma nova geração de interfaces e marcas começa a introduzir profundidade, brilho, volume e textura, mas de forma quase sensorial.
Um bom exemplo disso é o novo sistema operativo da Apple, que recupera esta estética e de certa forma escala o conceito (como só a Apple sabe fazer), apresentando o liquid glass, introduzindo profundidade, brilho, reflexo e camadas de transparência com uma elegância quase líquida.
Outro exemplo é o recente rebranding da Repsol, que aposta num logótipo com mais relevo, brilho e volume, evocando materiais físicos com uma sofisticação que não víamos há anos.
Ainda ontem, na noite anterior à publicação deste artigo, dei conta que o Airbnb reformulou o design system, com alterações significativas aos botões, transparências e iconografia. Tudo isto, naturalmente com impacto no website. Voltaram as texturas, o couro nas malas de viagem, a sensação de pêlo nas patas dos animais e a madeira das camas.
Talvez seja impressão minha, ou talvez seja apenas o efeito colateral de estar tão fascinada com o tema desde aquela viagem à praia, mas parece-me começar a notar alguns ecos desta nova tendência em alguns websites. São pequenos detalhes ainda muito leves, sobretudo ícones com volume, menus com camadas ligeiras de transparência, efeitos de luz que sugerem profundidade… Como se o digital estivesse, aos poucos, a reaprender a tocar-nos.
Poderá ser ainda cedo para tirar grandes conclusões, mas parece-me que este neo-skeuomorphism não procura meramente replicar a realidade do mundo físico, mas criar uma nova realidade visual, mais rica, sensorial e intuitiva. Algo entre o tangível e o imaginado.
E isso entusiasma-me muito! Porque, para quem trabalha ou pensa em digital, é impossível não perguntar: como será ver esta tendência a ganhar corpo nos websites? Como vai transformar a navegação, UX/ UI, o storytelling, o próprio branding digital?
Agora que sei que neo-skeuomorphism não é o nome de um multivitamínico, fico ansiosa para ver como é que esta nova textura digital se vai desdobrar à medida que o futuro nos desliza pelos dedos e pelos ratos.