Na obra The creative act: a way of being de Rick Rubin, with Neil Strauss, 2023, é mencionado como a realidade que experienciamos não existe de forma objetiva, mas é construída internamente por meio de complexas reações químicas e elétricas no cérebro. Rubin, afirma que é através deste processo que criamos representações mentais de ambientes, sons e significados, aos quais respondemos imediatamente, num universo moldado pela nossa perceção subjetiva.
Este conceito é essencial para compreender como a criatividade não é apenas exclusiva no universo artístico, mas um processo estrutural que está presente em diversos campos de conhecimento e práticas, incluindo na música e no design. Neste sentido, a origem da criatividade é tudo o que nos rodeia, tudo o que vemos, pensamos, imaginamos, sentimentos e experienciamos, assim como, tudo o que falamos e tudo o que protegemos dentro de nós (Rubin, 2023).
Estes fragmentos de memórias navegam no nosso inconsciente, até ao momento em que emergem à superfície através do gesto de criar.
A música e o design, ainda que não partilhem a mesma linguagem e o resultado da criação seja uma composição sonora e uma visual, ambas partilham dos mesmos princípios da criatividade e procuram transmitir uma mensagem, emoção ou uma ideia. De facto, o ato criativo, desenvolve-se em várias fases – ideação, experimentação, elaboração, revisão e conclusão.
Compor música é o ato de criar uma obra sonora organizada no tempo, onde são explorados diferentes elementos rítmicos e sonoros. É um processo onde são tomadas decisões relativas à harmonia, à melodia, texturas e silêncio. A harmonia marca o tom que a música irá ter - mais alegre, melancólico, nostálgico, eufórico, sonhador. O ritmo confere movimento e em combinação com as notas tocadas, permite provocar determinadas sensações e sentimentos, guiando a perceção do ouvinte ao longo da peça. O silêncio, consoante a intenção do autor, permite construir um espaço de tensão, suspense ou calma, uma respiração.
Analogamente, criar design é organizar elementos visuais no espaço, tomando decisões sobre a disposição, forma, cor, textura, tipografia e espaço vazio. Cada um destes componentes contribui para a construção de uma mensagem visual, influenciando a perceção e a interpretação do recetor. A disposição dos elementos no espaço estabelece hierarquias visuais, proximidade e relações, que irão influenciar a acessibilidade e compreensão da mensagem. As formas definem o elemento, a sua identidade, enquanto a cor é fundamental para a representação e evocação de emoções, bem como, a criar contrastes.
Tal como na música, o design utiliza o espaço vazio e o silêncio, para deixar o conteúdo respirar, para criar um momento de pausa, equilíbrio, valorização de elementos visuais e preparação. Na música, a hierarquia do conteúdo pode ser entendida como as várias camadas de vozes ou instrumentos que a composição tem, sendo que existe sempre uma com maior destaque – como por exemplo a melodia, o baixo, a voz. A noção de camadas é também comum às duas práticas: na música, enriquecem o som; no design, adicionam profundidade visual, tornando a composição mais envolvente e dinâmica (Safi, 2023). Tanto na música, como no design, os padrões rítmicos ou visuais concedem maior coesão, proximidade ou distanciamento, identificação e perceção da mensagem.
Ambas as áreas procuram encontrar e construir um equilíbrio e harmonia. “Na música, isto pode envolver o uso de dinâmica e andamento para criar uma sensação de fluxo e movimento, enquanto no design, pode envolver o uso de cor, contraste e espaço em branco para criar uma sensação de equilíbrio visual.” (Safi, 2023).
Exemplos clássicos da relação e influência entre a música e as artes visuais são o pintor russo Wassily Kandinsky (1966-1944), um dos pioneiros da arte abstrata e o compositor russo Modesto Mussorgsky (1839-1881), uma figura central do período romântico e do movimento nacionalista na música russa do século XIX.
Kandinsky inspirava-se na música para conceber pinturas abstratas, como a obra Composição VII, que funcionam como “acordes visuais”, utilizando a cor e a forma para transmitir emoções, ritmos e espiritualidade, refletindo a pureza e a abstração da música (Ilg, 2015). A obra Quadros de Uma Exposição, de Mussorgsky, traduz musicalmente os elementos pictóricos das pinturas de Viktor Hartmann, evocando através do som as imagens e atmosferas visuais das obras do pintor (Torres, 2021), numa estreita ligação entre o design sonoro e o da paleta visual.
Assim, a música oferece ao design mais do que uma metáfora estrutural. A música potência e influência o processo criativo do design, ao estimular o pensamento crítico, a perceção sensorial e a capacidade de organizar elementos de forma harmoniosa e equilibrada.
Referências:
Rubin, R., & Strauss, N. (2023). The creative act: A way of being. Penguin Random House.
Safi, H. (2023). The surprising connection between music production and design
Torres, R. (2021). Mussorgsky – Quadros de uma exposição – Análise. Arara Neon
Ulg, T. (2015). O espiritualismo e a musicalidade em Kandinsky. Revista Usina, 15