Directamente dos especialistas: 3 dicas para superar o estado agonizante que é o bloqueio criativo

Creative people do a lot of trial and error and rarely know where they are going exactly until they get there.” - Scott Barry Kaufman

Marta Guimarães Ferreira
Mai 2 2023 • 7 min leitura
Directamente dos especialistas:  3 dicas para superar o estado agonizante que é o bloqueio criativo

Enquanto procurava inspiração para escrever o artigo do blog desta, deparei-me, ironicamente, com o artigo “How to beat writer’s block”, escrito em 2016, por Maria Konnikova para a The New Yorker. Apesar de não ser um artigo particularmente recente, não tenho dúvidas de que o leitor o achará tão relevante e interessante como se tivesse sido escrito ontem. Este “writer’s block” não é, contudo, um tema exclusivo dos escritores, atrevo-me a dizer que afecta, de forma transversal, todos aqueles que trabalham nas indústrias criativas. Por vezes, invocar as nove musas de Hesíodo, ou as Tágides de Camões não é suficiente para superar uma crise criativa.

Ao aprofundar a minha leitura sobre este tema, mais se tornava claro que a procura de inspiração não deve ser feita de um modo passivo, mas sim de uma forma activa. Parece existir um consenso entre os vários autores que se dedicaram a este tema. A noção romântica de uma inspiração que nos invade o corpo e a alma, como que por magia, despojada de qualquer tipo de iniciativa, por parte do inspirado, está longe de corresponder à realidade. Pelo contrário, encontrar inspiração pressupõe uma procura activa e consciente.

Além disso, esperar nem sempre é uma opção. Qualquer criativo, independentemente da área em que trabalha, defronta-se com prazos, expectativas e com a necessidade de cumprir determinados objectivos e projetos sob pressão. Não há nada a fazer são as “vicissitudes do ofício”. Os nossos leitores acérrimos, saberão que não é a primeira vez que nos debruçamos sobre este tema, contudo dada a sua relevância inesgotável, achámos por bem ressuscitá-lo. Desta vez há um twist, fizemos questão de ir beber, como diria o monge bizantino, João de Damasco, directamente à “fonte da sabedoria”. No blog desta semana, revelamos três conselhos de três conceituadas personalidades criativas, que procuram ajudar a superar o fatídico bloqueio criativo.

  1. Connect with your subconscious - Graham Greene, escritor.
    O primeiro conselho vem do escritor Graham Greene, uma figura incontornável do panorama literário britânico do século XX. Se acha que não conhece este autor, permita-nos provar que é uma ilusão. Entre as suas obras consta o "Comboio de Stamboul”, um romance de 1932, que ao ser publicado nos Estados Unidos passa a intitular-se “Expresso do Oriente". Desde então, foi adaptado ao cinema três vezes (1934, "Orient Express", realizado por Paul Martin; 1974, "Murder on the Orient Express", realizado por Sidney Lumet e protagonizado por Albert Finney como o icónico detective Hercule Poirot; 2017, realizado por Kenneth Branagh com um elenco repleto de estrelas que incluía Johnny Depp, Michelle Pfeiffer e Judi Dench, entre outros).

    Para um autor com uma obra tão vasta e completa como a de Greene, é nos difícil acreditar que alguma vez tenha sofrido um “writer’s block”, como de resto menciona Maria Konnikova no seu artigo de 2016 para a The New Yorker. Contudo, aconteceu e, nos anos 50, Greene viu-se órfão de inspiração. A forma que encontrou para superar o impasse criativo em que se encontrava foi através de um Dream Journal. Greene registava os seus sonhos e utilizava-os como elementos catalisadoras para a sua escrita. Yvonne Cloetta, amante de Greene, ilustra na perfeição o objectivo de um Diário de Sonhos:

    If one can remember an entire dream, the result is a sense of entertainment sufficiently marked to give one the illusion of being catapulted into a different world . . . . One finds oneself remote from one’s conscious preoccupations.”.

    De facto, há algo libertador nos sonhos, no sentido em que são só nossos e não estão sujeitos ao peso do mundo exterior (expectativas, juízos de valor, etc). Ao sonharmos, a nossa mente deixa de ser refém do nosso estado consciente, dando a abertura necessária para que novas ideias possam surgir.

  2. Break out of sameness - Rick Rubin, music producer.
    Rick Rubin é um produtor musical americano, conhecido não só por ter fundado a def Jam Records com Russell Simmons nos anos 80, mas também pelo seu trabalho com os mais sonantes nomes do mundo da música. Na lista infindável de músicos com quem Rubin já trabalhou, constam artistas como The Red Hot Chilli Peppers, Johnny Cash, Neil Diamond, Beastie Boys, Jay Z, Kanye West, Metallica, Aerosmith, Adele, entre outros.

    No livro “The Creative Act: A Way Of Being”, publicado no presente ano, Rubin partilha connosco um conjunto de métodos, baseados na sua experiência de 4 décadas enquanto superprodutor, para desbloquear o potencial criativo que há em todos nós. Segundo Rubin, uma das formas para superar uma crise criativa passa por nos ligarmos à criança que há em nós e por procurarmos ambientes e experiências diferentes. Rubin sugere que a inspiração pode surgir em qualquer lugar e que o mais ínfimo pormenor pode ser um grande catalisador de criatividade.

    Para Rubin, quebrarmos a rotina e sairmos da nossa zona de conforto são exercícios fundamentais para cultivamos a criatividade.

  3. Forget the big idea, start by making little unspectacular steps - Christoph Niemann, illustrator.
    A escolha do ilustrador alemão Christopher Niemann, como o terceiro e último especialista, deu-se de uma forma tão espontânea, quanto inevitável. No misto de um intenso debate pessoal acerca de quem deveria ocupar o lugar em causa, pousei os olhos sobre uma edição assinada do Idea Diary de Christoph Niemann’s, disposta escrupulosamente, sobre a mesa de apoio da sala de estar, num canto estratégico, onde a luz chega, mas não incide directamente sobre a mesma e, onde os copos da noite anterior não correm o risco de se aproximar.

    Apesar de estar familiarizada com as suas ilustrações, foi na série da Netflix Abstract: The Art of Design que conheci o artista por detrás da obra (série essa, que aconselho vivamente ver). Tudo me fascinou, desde as suas rotinas criativas, à sua técnica, mas sobretudo o seu incrível poder de abstracção. Se os nossos leitores virem a série, ficarão a saber que as ilustrações de Christoph Niemann já gracejaram as páginas das mais conceituadas revistas, como a The New Yorker, a National Geographic e de ilustres jornais como o The New York Times.

    Numa entrevista de 2017 ao The Talks, Niemann refere que o melhor remédio para ultrapassar o sentimento de estagnação criativa é ignorarmos a “big idea” e concentrarmo-nos em dar apenas pequenos passos, sendo que o importante é não deixar de produzir (se é bom ou mau, para o efeito, é indiferente):

    No, I don’t need a big idea, I need 1000 small steps: 1000 steps ahead, 500 steps back, 700 steps to the right and then I will end up somewhere. So, you really have to force yourself to trust that process.

Se nenhum destes conselhos surtir efeito, poderão sempre recorrer à célebre técnica de Camões e proclamar dramaticamente os seguintes versos:

E vós, Tágides minhas, pois criado
Tendes em mim um novo engenho ardente,
Se sempre em verso humilde celebrado
Foi de mim vosso rio alegremente,
Dai-me agora um som alto e sublimado,
Um estilo grandíloquo e corrente,
Porque de vossas águas, Febo ordene
Que não tenham inveja às de Hipocrene.

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