Quanto custa o “Grátis”?

Praticamente nenhum serviço na internet funciona de forma gratuita. Se o serviço é grátis, então você é o produto.

Tomás Jacob
Set 28 2020 • 7 min leitura
Quanto custa o “Grátis”?

Apesar de ser o developer mais jovem da Softway, tenho a felicidade de ainda ter vivido alguns dos anos antes da internet ser omnipresente. Lembro-me dos modems em casa e de pedir para não fazerem chamadas ao telefone enquanto usava o computador. Naturalmente que o meu uso para a internet na altura era jogar e pouco mais. Lembro-me de olhar maravilhado para centenas de jogos grátis diferentes ali à minha disposição, normalmente em sites que em retrospectiva não inspiravam assim tanta confiança.

A verdade é que eu fui um sortudo. Em minha casa tínhamos as possibilidades financeiras de ter ligação à internet. Esta acabava por ser a maior limitação para entrar um mundo de informação e entretenimento. Como os utilizadores tinham de fazer um esforço por vezes significativo para aceder à internet era importante que tudo para lá desta porta de entrada fosse gratuito. A gratuitidade acabou por se tornar uma pedra basilar das plataformas e websites que surgiram e explodiram em popularidade. Apesar de hoje o acesso à internet já ser mais módico este paradigma não se alterou significativamente: a larga maioria dos sites que visitamos regularmente não exige pagamento para lhes aceder.

Infelizmente a internet não é uma série de tubos que operam por magia. Esta rede global é suportada por milhares de equipamentos espalhados pelo mundo, desde datacenters às “polémicas” antenas de 5G. Como quase tudo na vida, estas infraestruturas têm custos associados. Cada website que visitamos é suportado por um servidor que é pago pelo seu proprietário, é um investimento destinado a atrair clientes ou expôr informação. De forma análoga a uma autoestrada, conforme o tráfego que a página tiver, maior os custos de manutenção e serviço. Serviços como o Youtube, Facebook ou Google usam muitos recursos, tornando-se uma autêntica via rápida de dados, mas com uma despesa associada enorme.

Então se nós não pagamos para aceder a estes serviços como é que eles são suportados? A resposta é simples: anúncios. Tal como um programa de televisão com muita audiência, um website com muitos visitantes é atrativo para quem quer anunciar o seu produto ou empresa. Neste caso a principal diferença torna-se a demografia da audiência. Num jogo de futebol transmitido na televisão é possível prever que o público será maioritariamente masculino, mas não é tão fácil saber exatamente em qual dos clubes está interessado. A internet, através de várias técnicas, permite a um website saber uma série de características do seu visitante e servir um anúncio altamente personalizado, com mais valor para o advertiser. Esta informação é depois partilhada (ou vendida em alguns casos) entre plataformas, espalhando esta personalização por quase todos os websites que visita. O valor desta informação permite manter muitas plataformas e serviços a trabalhar e inclusivamente gerar lucros. No nosso artigo da semana passada, a minha colega Inês descreveu este tema com exemplos práticos.

Para fazer uma demonstração mais prática, imagine que procura por um novo frigorífico no Google: “frigoríficos em promoção”. A partir deste momento a Google sabe que este utilizador (você) está a pensar comprar um frigorífico, porque senão qual era a outra razão para fazer esta pesquisa? Então sabendo o país onde se encontra contacta as principais lojas de tecnologia em Portugal, para submeterem informação sobre frigoríficos. Se terminar a sua pesquisa sem comprar o produto, então o sistema sabe que continua interessado. Como tal, quando entrar noutro site, mesmo que não relacionado com eletrodomésticos, vai receber um anúncio precisamente sobre frigoríficos. Este é um exemplo muito simples de como os sistemas automáticos de publicidade funcionam na internet. Para muitos, esta informação sobre os utilizadores já é considerada como o novo petróleo

Praticamente nenhum serviço na internet funciona de forma gratuita. Se o serviço é grátis, então você é o produto. E a possibilidade de lhe apresentar anúncios altamente relevantes tem um enorme potencial, que se traduz em valor.

Se o alarmei com este artigo até agora é normal. Esta é a realidade. Então o que há a fazer para fugir a esta “exploração” dos seus dados? Bem, desligar a internet de todo seria uma forma mas depois não teríamos maneira de continuar a ver vídeos de animais fofinhos, portanto vamos discutir alternativas.

Um primeiro passo é fechar os olhos. Mas não digo literalmente. Se passarmos por uma paragem de autocarro com uma publicidade conseguimos fechar os olhos e ignorar, então porque não fazemos o mesmo na internet? Há uma variedade crescente de programas bloqueadores de anúncios que os removem de vista quando visita um site. Pessoalmente posso recomendar o uBlock Origin, uma extensão de navegador que para além de esconder os anúncios bloqueia vários dos scripts que registam os sites que visita e a informação que recolhem. Da mesma forma, pode optar por usar o Firefox. Este navegador bloqueia de forma automática vários scripts que guardam as suas informações e é desenvolvido por uma fundação sem fins lucrativos.

Dado este primeiro passo, temos de pensar de uma forma mais global e menos individual. A União Europeia está a acordar para os problemas relacionados com a privacidade digital dos seus cidadãos e a promover várias propostas de legislação para reforçar os direitos digitais dos consumidores. A sua aplicação e fiscalização pode, e deve, ser debatida, mas medidas como a aplicação do Regulamento Geral de Proteção de Dados são um empurrão na direção certa. Enquanto cidadão pode estar envolvido e informado sobre mais iniciativas relacionadas com a privacidade digital através de ONG’s como a Associação D3 ou a Electronic Frontier Foundation.

Uma última maneira de se proteger é apoiar e utilizar websites que adotem modelos de negócio alternativos. Ao pagar por um serviço online está a suportar a plataforma diretamente o que permite resistir à venda ou transmissão dos dados pessoais dos utilizadores. Um exemplo simples é a Netflix. Ao pagar mensalmente pelo serviço já não é exposto a anúncios de forma tradicional (por enquanto), apesar de existir na mesma alguma personalização e tracking neste serviço.

O melhor exemplo de um modelo alternativo é a Wikipédia. É um dos maiores websites do mundo e não lhe exibe nenhum anúncio! Como? Através de doações. O enorme sistema que suporta a plataforma é pago totalmente através de contributos e donativos de indivíduos e empresas, permitindo salvaguardar a sua independência de influências externas que possam pôr em causa a qualidade da informação disponível. Caso este artigo o tenha inspirado a ajudar, pode fazer uma contribuição única ou recorrente através do site da Wikimedia Foundation que gere o website.

A realidade atual da Internet pode não parecer a mais positiva, no entanto não invalida a ferramenta preciosa que temos ao nosso dispor todos os dias. Os anúncios não vão desaparecer, nem são necessariamente maus, no entanto cabe nos a nós enquanto internautas e cidadãos tomar ações que apoiem uma internet justa, livre, grátis e segura.

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